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O Casarão Mal-assombrado

 



      Se me lembro bem, era o início de um feriado prolongado no ano de 1990. Eu e mais três amigos combinamos de comprar algumas bebidas e passar a noite de quinta-feira num sítio do pai de outro amigo, que ainda viria de São Paulo. Nesse sítio havia um casarão antigo, que servia de moradia para os caseiros que trabalhavam temporariamente na propriedade.

O sítio ficava na zona rural de uma cidade vizinha, bem afastado da cidade e o casarão já estava há um bom tempo abandonado, sem nenhum morador. A última família que havia morado lá mudou-se às pressas, por motivos desconhecidos, para o Estado do Paraná.

Meu amigo, filho do dono da propriedade, chegou de São Paulo e nos levou de Jeep até lá, com as nossas compras, para passarmos uma noite e talvez emendar a sexta-feira. Saímos de nossa cidade bem de tardezinha e chegamos antes das 17 horas.

Como ele havia acabado de chegar, cansado da viagem, resolveu repousar na casa de sua avó, que ficava na mesma cidade, e deixar algumas coisas para ela, pois fazia tempo que não vinha para o Sul de Minas. Somente no dia seguinte ele iria voltar ao sítio para ficar com a gente e depois nos trazer de volta.

Lá chegando, tivemos que limpar a casa rapidamente, antes que escurecesse. Por telefone, um morador das proximidades havia informado ao dono da propriedade que, naquela semana, um raio havia queimado o transformador do poste que distribuía a energia elétrica para aquele local. Contudo, a falta de luz elétrica não era problema, pois nós levamos muitas velas, algumas lanternas e um lampião a gás. Queríamos mesmo era nos divertir e passar uma noite diferente; fazer algo para comer, beber e conversar durante toda a madrugada.

O casarão ficava numa grota e bem próximo de uma mata. Na verdade mesmo, era um local sombrio e uma energia sinistra habitava ali, eu podia sentir isso. Durante a faxina, cada um se encarregou de limpar um cômodo daquela casa enquanto eu, lá fora, tentava encontrar algumas madeiras para acender o fogo num fogão à lenha.

Existia uma casinha de madeira bem lá no fundo do quintal, próxima de uma cisterna, ou melhor, de um poço. Pelo jeito, era uma espécie de depósito de sacos de café e também de milho. Havia, ainda, muitos implementos agrícolas como enxadas, foices, machados, correntes e cordas pendurados do lado de fora.

Notei que o cadeado que fechava a porta daquela casinha estava aberto. Então, retirei-o e abri a porta para olhar melhor o que tinha ali dentro, pois alguma coisa poderia ser útil durante a nossa estada no sítio. Dizem que a curiosidade matou o gato...

Fiquei meio assustado ao ver uma calça jeans e uma camiseta branca penduradas num varal improvisado. Aquelas vestimentas velhas, bem manchadas de sangue, provavelmente estavam ali há muito tempo. O cheiro de sangue não estava tão forte, porque aquele depósito guardava outros tipos de produtos com odores marcantes como adubos e algumas peças de trator, que estavam mergulhadas no óleo diesel. Mesmo assim, muitas moscas pousavam nas roupas.

Fechei a porta rapidamente deixando o cadeado do jeito que estava e guardei segredo sobre aquilo. Achei chato falar sobre o fato, já que eu tinha conhecido esse meu amigo havia ainda pouco tempo. Ele era meio novato entre nós e vinha muito pouco, somente nos feriados, para a nossa cidade, no Sul de Minas, pois morava em São Paulo. Concluí que aquele sangue pudesse ser de algum animal, como um porco, que alguém tivesse matado e tivesse sujado as roupas no procedimento de abate.

A noite foi chegando. Arrumamos a mesa, as bebidas e preparamos um delicioso arroz. Fritamos ainda uma deliciosa carne para, então, começarmos a comer, beber e conversar. Ficamos ali, à mesa da cozinha, bem próximos do fogão à lenha. O ambiente estava bem descontraído e contávamos várias piadas enquanto jogávamos baralho.

Próximo da meia-noite um galo começou a cantar lá fora, no quintal. Todos nós ficamos muito assustados, pois não havia galinhas lá fora. Ninguém estava morando ali para cuidar de um galinheiro. Porém, minutos depois, concluímos que ele devia ser de outra propriedade e que resolveu andar ali por perto naquela noite. Pensando assim, ficamos mais tranquilos.

Voltamos então a beber e a jogar baralho, rindo muito daquela situação. Depois de muitos goles e algumas cartadas, resolvemos apagar o lampião a gás para deixar o ambiente mais assustador. De repente, ouvimos uma pedrada na porta e um pesado silêncio passou a imperar ali. Todos nós ficamos atentos. Não tínhamos armas e, naquela época, nem sequer telefone celular. Misteriosamente, as brasas do fogão à lenha viraram grandes labaredas e as velas se apagaram sozinhas devido a um vento que surgiu do nada naquela cozinha.

Começamos, então, a perguntar uns aos outros se alguém estava fazendo alguma brincadeira com a gente. Mas, não podia ser, pois estávamos todos os quatro amigos juntos ali, à mesa. Não havia chegado ninguém, pois não escutamos o barulho do Jeep ou de qualquer outro veículo. Então, começamos a rezar, porque o ambiente ficou bem sinistro...

Mas, juntando o efeito da bebida com um pouco de medo, o resultado é que não conseguíamos lembrar direito das rezas, que acabavam indo só até a metade. Assim, dávamos boas gargalhadas uns dos outros, fazendo aquilo tudo virar uma grande cena de humor.

Logo em seguida, do nada, o fogão à lenha também se apagou completamente e a escuridão tomou conta daquele recinto. Um de meus amigos tinha um isqueiro e tentava acender novamente uma das velas ali próxima. Como o isqueiro estava ruim, cada vez que ele riscava a pedra, dava apenas pra ver rapidamente uma parte da face e os olhos de cada um ali na mesa. Porém, um par de olhos a mais estava sendo visto ali, como se tivesse mais alguém com a gente.

Vendo isso, perguntamos em voz alta quem estava ali e não ouvimos nada, ninguém respondeu àquela pergunta. Perguntamos novamente: "Em nome de Jesus Cristo, quem é você? Responda!"

A resposta que não queríamos ouvir foi pronunciada: "Sou José Vicêncio. Fui morto pelo meu irmão, aqui nesta casa..."

Relatar esse caso dá até arrepios... Mesmo que a resposta fosse outra qualquer, creio que nossa reação seria a mesma. Levantamo-nos todos daquela mesa e, tropeçando nas cadeiras, corremos em direção a um dos quartos, que ficava lá no final do único corredor daquele casarão mal-assombrado.

Assim que chegamos ao quarto, perguntei se todos estavam bem e tranquei a porta logo em seguida. Resolvi, então, contar a todos sobre aquilo que eu tinha visto lá na casinha durante o cair da tarde. Quando comecei a contar, escutamos uma machadada muito forte arrebentar a velha porta da cozinha e, logo em seguida, o som de enormes passos, pesados, avançando pelo corredor em direção ao quarto em que estávamos.



Meus amigos começaram a clamar o nome de Deus. Eu me ajoelhei ali no canto e comecei a rezar o Credo, com muita fé: "Creio em Deus Pai, todo-poderoso, Criador do céu e da terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho nosso Senhor. Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, ..."

De repente, aquele barulho se aquietou e notei que todos os outros três amigos também estavam rezando comigo. O medo, ali, tomou conta de todos nós, completamente. Algo sobrenatural realmente estava presente naquele recinto.

Assim que terminamos de rezar, um último barulho foi ouvido. Parecia que alguém tinha caído, ou algo bem pesado fora jogado naquele poço que ficava próximo à casinha no quintal, pois o barulho de algo caindo na água foi muito forte.

Minutos depois abrimos a porta do quarto e tudo estava aparentemente normal. As velas acesas, a lenha queimando no fogão e nada de barulho. Acendemos, então, o lampião a gás e todas as outras velas.

No dia seguinte, quando o meu amigo chegou, todos nós já estávamos prontos para partir. Não queríamos mais ficar ali naquele casarão e passar outra noite de horror.

No caminho ele acabou contando que muito tempo atrás houve, ali, uma briga entre dois irmãos. Um acabou matando o outro e jogando o corpo dentro daquele poço. Souberam da história antes de comprar o sítio, mas acharam que era apenas um boato, espalhado pelos moradores, para atrapalhar a compra daquela propriedade. Disse ainda que, misteriosamente, toda família de caseiros que ia morar naquele casarão não permanecia por muito tempo, depois de alguns meses eles pediam as contas e se mudavam.

Eles também já haviam colocado aquele sítio à venda há muito tempo, mas, infelizmente, ninguém se interessava por ele. A fama de mal-assombrado já era conhecida por muitos moradores daquela região.

Ficamos muito bravos com o nosso amigo, dono do sítio, por ele não ter falado sobre aquilo, mas ele alegou que nada comentou por que nunca acreditou em assombrações. Mas, aquilo que presenciamos naquela noite foi algo terrivelmente assustador, digno de ser comparado a um estarrecedor fenômeno sobrenatural.

Após um daqueles irmãos ser perseguido e morto com uma machadada e em seguida ser jogado dentro daquele poço sombrio, sua alma perdida passou a assombrar aquele casarão. Talvez aquela cena se repetisse, em determinados períodos do ano, para toda a eternidade...
                                     


(c) Histórias do André Victtor
Escrito em 10 de outubro de 2011


versão em áudio:




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